Revelações de um poeta triste
Eugénio de Sá
Saberás tu dizer, leitor amigo
Como se pinta um quadro em inversão
Como se pinta um quadro em inversão
Que jeito se terá de dar à mão
Pra traduzir na tela o pervertido?
É um sentir que é intraduzível
- Como me foi a mim ao conhecê-lo -
Pois não há nele como convertê-lo
Em nada que se mostre plausível.
Descrevamo-lo então em poesia
Já que nela sempre há uma maneira
De transformar em cousa mais ligeira
O que é tomado por causa doentia:
Um dia certa dama bela e querida
Tida por impoluta e acreditada
Decidiu dar-se a ver por bem casada
E logo deu um rumo à sua vida;
Fez-se amorosa de um autor incauto
Um poeta carente, franco, promissor
E logo lhe jurou ditoso e eterno amor
Deixando o pobre em alto sobressalto.
Um outro amor a tinha maltratado
Não resultara em nada o prometido
Porque aquele que ia ser o seu marido
Escolheu outro caminho pró seu fado.
Era uma dor que ainda em si gritava
Mas era de tal monta a sua decisão
Que nem pensou que assim arriscava
Poder matar de dor um outro coração.
E lá se uniu ao poeta, em casamento
Ele deixara pra traz gente chegada
Ela exultava co’ aquele encantamento
Provado pelo ser que tanto a
amava.
Mas lesta foi a vida a desmentir
Quem teimou promover uma ilusão;
Ela soube que errou e escolheu agredir
Quem lhe entregara – honesto - o
coração.
Assim morreu na praia toda a esperança
Do poeta triste que queria ser feliz
Cansou, quase morreu naquela andança
Foi um amor que o destino não quis.
Mesmo assim, entendeu levar a sua cruz
Que, com a dela, juntas carregou
Tal jurara a si mesmo, e chorou
O mau fadário que a tragédia induz.
Mas certo dia, voltavam para o lar
E então ouviu tão graves impropérios
Tão humilhantes, iníquos e sérios
Que resignou da vida e de lutar.
Quase a partir soube d’outra verdade
Algo impensável, e a revolta imensa
Lhe trouxe outra razão à claridade
E a sua mão escreveu, rápida e tensa
Palavras de repúdio por tanta falsidade
E da desdita, com as lágrimas saltando,
Brotaram versos co’ pranto deslizando
Daqueles olhos cegos pla saudade!
Enquanto tu
fingias que te importavas,
eu me
importava – e sofria - na realidade, por ti !
Sintra - Portugal - Janeiro 2014
Leia o poema enquanto ouve esta canção imortal
10 comentários:
Poeta é um sofredor,
sofre às vezes sem razão;
Só porque um sonho de amor,
Iludiu seu coração.
António Zumaia
Um sujeito poético muito sofrido que, espero sinceramente, não ser o caso do seu autor!
Parabéns e obrigada pela partilha
Uma história tristonha
de tamanha falsidade
leva a pessoa à vergonha
a não crer mas na verdade.
Amei a história de amor, embora sabendo que se trata de fantasia poética, o coração do leitor se constrange com o sofrimento. Parabéns, Eugênio. Amei lê-lo nesta manhã de sábado brasiliense. Um grande abraço,
Hull
Que este sujeito, tão triste, de alma poética, narrando seu sofrimento, por um amor, que não o merecia, nada tenha a ver com o autor, de tão excelsa obra.
Abraços, Eugénio!
Muito bom o poema "Revelações de um Poeta Triste",
de autoria de Eugénio de Sá. Está muito bem escrito e
trata de um problema complexo, envolvendo conflitos
d'alma bastante íntimos e delicados. Se já é assaz difícil
discorrer em prosa sobre tal tema, é de imaginar-se quão
complicado seria descrevê-lo em versos. Entretanto,
valendo-se de sua apreciada verve poética, Eugénio o
disseca de modo claro e objetivo ao longo dos 14
quartetos que o integram!
Meus parabéns a ele, por tão belo trabalho!
Humberto Rodrigues Neto - Brasil
AMIGÃO A LÁGRIMA MAIS PESADA É AQUELA QUE NÃO CAI...O TEU POEMA É ESSA LÁGRIMA...QUE APESAR DE PESADA CONSEGUIU ROLAR EM VERSOS TRISTES, MAS BELOS NO ROSTO DE UM GRANDE POETA. PARABÉNS EU...GÉNIO!!! COM O CARINHO DA MARGARIDA E UM ABRAÇO E VOTOS DE BOAS MELHORAS DO AMIGO HUMBERTO SOARES SANTA
lINDÍSSIMO POEMA emocionantre.
Obrigada por compartilhar suas maravilhas.
Bjus Rutinha
Revelações tristes que criam um triste mas envolvente e lindo poema!
Parabéns mestre Eugénio!
Muitos aplausos...
Fernando Alberto
Triste poema, porém lindo e emocionante.
Um poema triste...
Um coração que sofre...
Mas depois deste relato poético,
a alma está mais leve.
Sua verve clama...
Enobrece cada dia mais
PARABÉNS nobre Poeta
por este trabalho maravilhoso.
Abraços poéticos,
Beki
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