quinta-feira, 6 de junho de 2013

Portugal – a vocação de ser pobre --- Crónica de Eugénio de Sá

Portugal – a vocação de ser pobre
 Crónica de Eugénio de Sá

Quem não se lembra da letra daquela canção que falava dos homens do mar e dizia; “ai Toino, Toino, tão desgraçado és/ai Toino, Toino, nem umas meias tens prós pés” ?
E foi ao som desta e doutras similares canções que o bom português foi sendo criado e posto na vida para a levar penando, procurando minorar os seus sofrimentos e carências com as expectativas do próximo jogo de futebol e as alegrias (ou os desgostos) do resultado final. Um fadinho nas noites de sábado lá no bairro,  amenizado  com umas ginjas ou bagaceiras, também lá ia ajudando a compensar o espaço deixado pela sardinha do jantar divida por dois ou por três, ou a postinha de bacalhau - outrora conhecido por "fiel amigo" - que parecia elástica de tanto ter de esticar para alimentar toda a família.
Depois de tantos anos de miséria, vieram outros, proclamados de "democráticos", que numa tal «revolução dos cravos» tudo prometeram, senão para os eles, os "demacratas", diziam aos crédulos ouvintes - pendentes das suas tiradas, e ainda perplexos - seria para os seus filhos, netos e gerações seguintes, gritavam dos palanques. Era canja; afirmavam então esses patéticos demagogos  (muitos ainda por cá andam, mas hoje bem mais abastados), que logo apareceram como salvadores desta nossa estigmatizada pátria. – Miseráveis, que a pátria há-de julgar um dia! - Mal grado quando já tiverem morrido todos.
Bem, e lá se foi vivendo e criando "hábitos europeus", embora sempre uns furos abaixo dessa bitola, a dos tais mais felizardos dessa europa a várias velocidades, acostumados na abastança, sempre alimentada pela velha exploração de outros povos, a quem compram, ao preço da chuva, mão-de-obra e matérias primas.
Foram mais de duas décadas de ilusão induzida, em que os portugueses gastaram mais do que se produziram, dizem-nos agora, como desculpa para os desvios criminosos e as barbaridades da gestão da "cousa pública" de que só mesmo eles, os tais autoproclamados "democratas" praticaram, em salutar alternância partidária, sempre contando com o votozito dos incautos que assim os foram perpetuando no poder, de boca aberta de espanto para tanta e tão falaciosa verborreia.
E agora no fundo, rendidos aos Fundos; o FMI e ao Fundo Monetário Europeu, que passaram a mandar na nossa casa, lá vamos contando os “buracos” que foram abrindo (por nós dizem-nos), e assindo, atónitos, à revelação da respectiva profundidade. Alguns, ainda o anunciam alegremente, como o faz um tal Sr. Jardim. Outros, as suas vitimas, em número sempre crescente, vão ficando desempregados e entregando ao banco carros e as casas, e abrigando-se, envergonhados, sob o tecto da velha mãe e/ou avó, que os volta a recolher e a sustentar com a parca reforma, também ela ameaçada pelas reduções impostas pelo governo, e entretanto desbaratada pelo custo de vida que cavalga já todas as lógicas. Outros ainda, sem mais recursos, vão acabanco na filas intermináveis da comida piedosamente distribuída pelas instituíções da igreja, e outras, movidas por idênticas e caridosas motivações. Sem abrigo e sem meios, são abandonados debaixo das pontes, e dormem ao relento embrulhados em cartões e jornais velhos, ou nalguns dormitórios improvisados, na maior das promiscuidades, desleixos, sujidades.
Entretanto, a juventude instruída, a que pode,  parte à descoberta dos vazios que vão por essa Europa fora, a que um dia foi pensada rica e poderosa por Konrad Adenauer, lembram-se? - E que hoje vê encurtarem-se-lhe os horizontes, pelas brumas que pairam, geradas e mantidas pela cobiça de uma casta que se esconde sob o manto diáfano da inominável hipocrisia.

Ah Portugal, tinhas-te esquecido que eras pobre mas é tua essa vocação,
desde sempre!

 Escrito e ditado em 2011, mal cheguei a Portugal

Eugénio de Sá
Reeditado
em
Junho de 20133

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