Portugal – a vocação de ser pobre
Crónica de Eugénio de Sá
Quem não se lembra da letra daquela canção que falava dos homens do mar e
dizia; “ai Toino, Toino, tão desgraçado és/ai Toino, Toino, nem umas meias tens
prós pés” ?
E foi ao som desta e doutras similares canções que o bom português foi
sendo criado e posto na vida para a levar penando, procurando minorar os seus
sofrimentos e carências com as expectativas do próximo jogo de futebol e as
alegrias (ou os desgostos) do resultado final. Um fadinho nas noites de sábado
lá no bairro, amenizado com umas ginjas ou bagaceiras, também lá ia
ajudando a compensar o espaço deixado pela sardinha do jantar divida por dois
ou por três, ou a postinha de bacalhau - outrora conhecido por "fiel
amigo" - que parecia elástica de tanto ter de esticar para alimentar
toda a família.
Depois de tantos anos de miséria, vieram outros, proclamados de
"democráticos", que numa tal «revolução dos cravos» tudo prometeram,
senão para os eles, os "demacratas", diziam aos crédulos ouvintes
- pendentes das suas tiradas, e ainda perplexos
- seria para os seus filhos, netos e gerações seguintes, gritavam dos
palanques. Era canja; afirmavam então esses patéticos demagogos
(muitos ainda por cá andam, mas hoje bem mais abastados), que logo apareceram
como salvadores desta nossa estigmatizada pátria. – Miseráveis, que a pátria
há-de julgar um dia! - Mal grado quando já tiverem morrido todos.
Bem, e lá se foi vivendo e criando "hábitos europeus", embora
sempre uns furos abaixo dessa bitola, a dos tais mais felizardos dessa
europa a várias velocidades, acostumados na abastança, sempre alimentada
pela velha exploração de outros povos, a quem compram, ao preço da chuva,
mão-de-obra e matérias primas.
Foram mais de duas décadas de ilusão induzida, em que os portugueses
gastaram mais do que se produziram, dizem-nos agora, como desculpa para os
desvios criminosos e as barbaridades da gestão da "cousa
pública" de que só mesmo eles, os tais autoproclamados
"democratas" praticaram, em salutar alternância partidária, sempre
contando com o votozito dos incautos que assim os foram perpetuando no poder,
de boca aberta de espanto para tanta e tão falaciosa verborreia.
E agora no fundo, rendidos aos Fundos; o FMI e ao Fundo Monetário
Europeu, que passaram a mandar na nossa casa, lá vamos contando os “buracos”
que foram abrindo (por nós dizem-nos), e assindo, atónitos, à
revelação da respectiva profundidade. Alguns, ainda o
anunciam alegremente, como o faz um tal Sr. Jardim. Outros, as suas
vitimas, em número sempre crescente, vão ficando desempregados e entregando ao
banco carros e as casas, e abrigando-se, envergonhados, sob o
tecto da velha mãe e/ou avó, que os volta a recolher e a sustentar com a
parca reforma, também ela ameaçada pelas reduções impostas pelo governo, e
entretanto desbaratada pelo custo de vida que cavalga já todas as lógicas.
Outros ainda, sem mais recursos, vão acabanco na filas intermináveis da comida
piedosamente distribuída pelas instituíções da igreja, e outras, movidas por
idênticas e caridosas motivações. Sem abrigo e sem meios, são abandonados
debaixo das pontes, e dormem ao relento embrulhados em cartões e jornais
velhos, ou nalguns dormitórios improvisados, na maior das promiscuidades,
desleixos, sujidades.
Entretanto, a juventude instruída, a que pode, parte à
descoberta dos vazios que vão por essa Europa fora, a que um dia foi pensada
rica e poderosa por Konrad Adenauer, lembram-se? - E que hoje vê
encurtarem-se-lhe os horizontes, pelas brumas que pairam, geradas e
mantidas pela cobiça de uma casta que se esconde sob o manto diáfano da
inominável hipocrisia.
Ah Portugal, tinhas-te
esquecido que eras pobre mas é tua essa vocação,
desde sempre!
Escrito e ditado em 2011, mal cheguei a Portugal
Eugénio de Sá
Reeditado
em
Junho de 20133
em
Junho de 20133
Nenhum comentário:
Postar um comentário