domingo, 4 de agosto de 2013


“os cronistas são os espiões da vida”
Esta definição tem alguma razão de ser. A sua autora; a jornalista brasileira Nísia Andrade Silva, pensou-a com conhecimento de causa, pois ela caracteriza bem quem sabe observar, comentar e criticar, em termos sintéticos, mas eficazes, os pormenores curiosos e/ou importantes do quotidiano da sociedade, nos múltiplos aspectos que a ela concernem.
Esta qualidade torna quem a merece credor do respeito e da admiração dos que à criação literária dedicam o seu carinho e a sua atenção. São esses os responsáveis da crónica ter voltado a ser considerada uma vertente igualmente nobre desta arte maior da expressão do pensamento humano; a literatura.
Por mim, a crónica,
que sempre defendi, baseia-se muitas vezes numa memória daquelas que colecionei ao longo dos meus tantos anos de vida, boa parte deles vividos nos mais belos recantos de Lisboa, e neles bebendo da vida que palpita nos seus mais castiços bairros e nesse mediano espaço oitocentista citadino, onde se cruza a austera e bem marcada teia pombalina, que do lado oriental está subordinada à imponência do castelo de S. Jorge, enquanto que do ocidental sobe mansamente para a colina do Chiado e do Carmo, improvisado palco do episódio principal da "Revolução dos Cravos", aquela que tudo prometeu aos portugueses e que, desgraçadamente, acabou por descambar num mar de frustrações para quantos nela acreditaram.
Hoje, as ruas da bela cidade capital bem como outras, um pouco por todo o lado deste país enganado e escarnecido, são as ruas da amargura para milhões de portugueses já descrentes seja no que for que se lhes diga, porque a sabedoria popular ensina que: “quem por norma tem mentir/uma verdade não sente/sempre que fale verdade/todos lhe dizem que mente! “
Que me seja perdoada esta expressão de revolta, mas concluí ser esta uma forma possível de vos dizer de meu estado de alma como português e como amante da palavra escrita e verdadeira. Portanto, não me proponho ficcionar factos e nem vivências, mas, outrossim; procurarei nestes meus contactos convosco, meus amigos, contar com rigor e comentar com critério e justiça, usando de algumas faculdades que me foram outorgadas por um Deus em que acredito.
E assim, a crónica que hoje vos apresento. Foi escrita há pouco mais de dois anos, escasso tempo depois da minha chegada a Bogotá, a linda capital da Colômbia, um país com múltiplas realidades e culturas, onde os nossos vizinhos espanhóis deixaram as suas raízes, como as deixaram um pouco por toda a América central e do sul, tal como nós a deixámos maurada a nossa presença no Brasil, nas duas costas africanas, e noutras tantas mais distantes; as da China e da Índia.
Do que vi em terras de Vera Cruz, onde residi dois anos, e depois na Colômbia, avulta um aspecto a um tempo interessante e assustador; o da visível necessidade de protecção que sentem sobretudo os que representam as classes mais elevadas da sociedade. A novidade é que também vai atingindo os restantes extratos da sociedade e progredindo em todoas as direcções. É um fenómeno que alastra já noutros continentes, à medida que se avolumam os problemas sociais dos países mais desenvolvidos, onde já existem muitos exemplos do vos falo abaixo.
Eugénio de Sá

As novas muralhas
Uma crónica de Eugénio de Sá
Ainda hoje nos deslumbram as construções defensivas medievais; os castelos, os fortes e os fortins, e outras, mais ou menos acasteladas, encimadas por ameias, rodeadas de fossos e com pontes levadiças. Muitas estão preservadas e são consideradas património mundial, para nosso merecido aplauso.
Face às acometidas guerreiras e invasoras desses tempos, esse era o sistema eleito, porque eficaz em termos defensivos. Ao toque dos vigias, as populações que viviam e laboravam mas imediações dessas construções, corriam a abrigar-se dos ataques sempre destrutivos dos exércitos conquistadores. Fica por perceber se a preocupação dos nobres que dominavam esses feudos acastelados e mandavam nos respectivos castelos, era defender a integridade física dos seus subditos, por pura bondade (sorriso), ou garantir a sua príncipal fonte de receita; os impostos sobre o trabalho, que normalmente correspondiam à apropriação de parte significativa dos bens produzidos, para consumo ou comércio próprios, explorando as gentes, que dominavam, subjugavam e abusavam, a seu bel -prazer.
Não vou, obviamente, entrar na análise dos benefícios ou maleficios do feudalismo dominante à época, mas não quero deixar de assinalar, com uma nota de ironia, a necessidade que, nos nossos dias, os novos grupos dominantes têm de se voltar a fazer envolver por autênticas muralhas, também de natureza humana; os conhecidos guarda- costas, ou gorilas.
Claro que estas novas muralhas não ameaçam já uma fritura do parceiro com azeite fervente, mas outra, a de uma descarga eléctrica de muitos voltios, ou, pelo menos, a garantia de um precoce ataque de parkinson a quem se atreva a tomá-las de assalto. Afinal, perguntamo-nos: em que evoluiu o homem, que hoje, tal como há muitos séculos atrás, vive muralhado e caminha, ou se faz transportar em carros blindados, e guardado por gente armada até aos dentes?
Conhecemos as causas, mormente as que se fundam na emergente e continuada movimentação das gentes famélicas do fustigado e explorado sul a caminho dos invejados e “exploradores” países (antigamente) conhecidos por mais ricos e felizes, e que com a ctual crise carecem de ser caracterizados hoje de forma bem diferente.
Agora os “invasores” são outros, os que ameaçam conquistar novos e mais privilegiados espaços; esses que habitam os aglomerados mouros de Argel a Casablanca, os muceques africanos, as favelas brasileiras, as comunas de muitos países das américas do sul e central e que já alcançaram os bairros periféricos de todas as grandes cidades europeias, as do sub continente americano e as da própria América do norte. Ali também já chegaram os dias de medo, como o prenuncia o cortejo dos seus milhões de desempregados, sempre em crescendo.
Afinal o famoso “way of live” dos gringos mais não era que uma gigantesca farsa, montada sobre uma montanha de créditos que acabaram inapelavelmente mal parados, um “way of live” que caiu como um baralho de cartas e vai deixando, aos poucos, exposta uma pobreza que o mundo desconhecia, num tecido social onde os espaços intercalares são cada vez mais estreitos.
Os norte americanos querem esconder esta verdade que dizem ser diferente das verdades já bem visiveis em quase todos os países europeus, mas a rede da sua peneira é demasiado aberta e deixa passar as dramáticas imagens dos milhares de sem-abrigo que por lá se arrastam.
O mundo dito desenvolvido está sob a ameaça de um barril de pólvora. Oxalá ninguém se lembre de acender o rastilho.

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