sexta-feira, 23 de agosto de 2013

PAINÉIS DE PORTUGAL - PANELS OF POTUGAL - PANNEAUX DE PORTUGAL -PORTUGAL PANELEN - Eugénio de Sá


Painéis de Portugal
Autoria de Eugénio de Sá



Os tons do Minho

Eugénio de Sá 

Terras do norte, minhotas
Viras do povo em Agosto
Em Setembro cheira a mosto
Em todas as aldeotas

É verde o vinho e a vida
Romarias e arraial
Deixam mágoas da partida

De Braga a Ponte do Lima
de Viana a Valdevez
tudo é cambraia mais fina
bordada pelo Gerês

De quem vai saudade fica
Dos que ficam com a tristeza
Mas vizinhos da beleza
Desta região bendita

Há flores marginando estradas
Água correndo dos montes
Para as cristalina fontes
Ou p’ras regas nas levadas

O gado pasta nos campos
E carroças carregadas
Com parelhas atreladas
Transbordam feno e encantos

E as cores do sol no poente
Pintam de oiro o sorriso
Naquela gente de siso
Que trabalha alegremente

Das telas dos paraísos
Nos verões da nossa saudade
O Minho é por ser verdade
A terra dos tons precisos


Terras transmontanas

Eugénio de Sá

Rochoso, o solo agreste lusitano
Rocha se chama o seu maior poeta
Austero, cada templo transmontano

De pedra é a paisagem dominante
Em penedias descendo pelos montes
Infundindo respeito ao visitante

Sem recuar perante adversidade
Cada um dos seus filhos é genuíno
Desconhece-se nele a falsidade

Cavam-lhe a face as rugas do trabalho
Que o granito esculpiu e o sol tostou
Nos frios, lembra memórias ao borralho

Belas alheiras e a posta mirandesa
Sábio presunto e mágica vitela
São faustos desejados sempre à mesa

Simples são as comidas desta gente
Sóbria no paladar como na vida
E no infortúnio, sempre está presente

Dentre o melhor do povo português
Outros não há mais nobres e honrados
Pois se lhes lê na fronte a honradez


Terras Beirãs

Eugénio de Sá

Bordam-te mil castelos o relevo
Painel beirão do amado Portugal
És do teu povo o gáudio e o enlevo
E da pátria penhor primordial

E os Hermínios montes que abrigaram
As destemidas tribos lusitanas
Depois de Viriato já contaram
Outras vitórias, guerras e façanhas

Nos frios invernos as tuas lareiras
são consolos de vida e de amizade
Mesas de queijos, broas e alheiras
E de velhas memórias sem idade

E os fumos que teus vales acariciam
Lembram ternuras gostos e odores
Quando Natais distantes se viviam
Juntando os corações e os amores


Inspirado em “Romance Sonâmbulo”
de Frederico Garcia Lorca,
também direi do meu bem amado Ribatejo:
“ Verde, que te quero verde.
Verde  vento, verdes ramas ”... 


Ribatejo

(Eugénio de Sá)



Aos choupos e aos Salgueiros
que bordam de verde
as margens do meu Tejo,
pedirei murmúrios!

Às águas deste rio
que nos percorre
as terras e os sonhos
pedirei caprichos!

Aos poldros buliçosos
que correm em família
na vizinhança da água,
pedirei galopes!

Aos toiros e aos novilhos
Que salpicam de negro
O verde da lezíria,
Pedirei bravuras!

Às orgulhosas vinhas
que marcam a tons de ouro
as encostas dos outonos,
pedirei generosidades!

Aos frondosos pinheiros
que nos guardam os ventos
e sombreiam os campos,
pedirei que permaneçam vivos!

Aos homens desta terra abençoada
pedirei que saibam merecê-la!

Alentejo

( Outrora o celeiro de Portugal )

Eugénio de Sá

Espigas desta terra
Vocação de pão
Searas de vento
Ventos de paixão
Juntam-te fermento
 
Do meu coração
Espigas desta terra
Celeiros de amor
És calma de estio
Amas o calor
Mãos em desvario
 
Ceifadas na dor
Espigas desta terra
Rude gente a tua
Que sofre e não cai
Nas pedras da rua
Ruas d'amargura

Espigas desta terra
Feitas fundas mágoas
Não sei se elas riram
Seus olhos mares d’águas
Flores que não floriram



Nota do autor:
Alentejo, a maior província de Portugal, foi em tempos o seu orgulhoso celeiro mas o pão era feito de sangue, suor e lágrimas.
Agora é umas das áreas européias mais despovoadas, onde vagueiam velhos e animais nas profundezas do esqueci-mento humano.
Alemães e ingleses vão-lhe comprando as entranhas, que mais ninguém quer.
Sei o que foi aquilo; o inferno ao calor do sul, a fome ao frio da indiferença.

Hoje; é o abandono, ao estigma do despovoamento.

Algarve

Eugénio de Sá


Com cheiros amendoados, com gaivotas
Com chaminés rendadas e branquinhas
Com lendas encantadas, com poetas
Com céus d’oiro, chilreios de andorinhas

Com praias de beleza estonteante
Com doce ondulação beijando areias
Com branduras de brisa acariciante
Com transparências d’água, marés cheias

Com os bailes mandados, corridinhos
Com lingueirão, conquilhas, marafados
Com dom rodrigos como os mais docinhos

Com os gostos do mar nos cozinhados
Só não ama este sul quem dele não sabe
Ver-lhe nos tons os mais lindos matizes


" O Mar com fim será grego ou romano,
o Mar sem fim é português! "

in: Mar Português, de Fernando Pessoa


Mar de Portugal
 
Eugénio de Sá
 
Ah, este mar do meu país natal
Que há nove séculos ouve Portugal
Nos marulhados ecos de uma gesta
E desses ecos lhes conhece a glória
Que se extasia de partilhar a história
E até ignora Eolo que o molesta.

Ah, este mar que me fez português
Que chorou com as lágrimas de Inês
E exultou liberto de grilhões
Que das conquistas soube do direito
E aos mártires e heróis lhes presta preito
Quando se lança à costa em vagalhões.

Ah, este mar enorme, ocidental
Que banha todo o nosso Portugal
Com respeito pelo povo que conhece
Que d’Isabel aprendeu a piedade
E sabe que é um velho sem idade
Amado ao sol da pátria que o merece!
A Portugal



Porto,
o especial perfume de uma bela cidade
Qual punho afundado na rocha aspergindo casario monte acima, esta é a primeira visão que tem do Porto quem o demanda vindo sul por qualquer das pontes que o ligam a Gaia. Lá em baixo, o Douro vigoroso e triunfante, corre para a Foz, que o cinge num apertado abraço antes de o deixar cumprir, finalmente, a sua missão, numa gloriosa união doce e salgada com o oceano.

Já nas ruas da invicta cidade, o forasteiro entontece-se com o afã das gentes que se movimentam a pé e motorizadas, cruzando, numa difícil fluidez, as artérias por onde corre o bulício de um povo laborioso e nobre.

Diz-se da grande urbe nortenha que ela é a capital do trabalho desta nação portuguesa espreguiçada ao sol e tendencialmente “a banhos”, pela força do seu clima e da sua vasta orla costeira beijada pelo sempre majestoso Atlântico. 

Na realidade, a grande concentração industrial da região e a proverbial vitalidade das suas populações, parecem justificar-lhe o atributo.

Uma vez mais a visitei e uma vez mais me encantei com a simpatia e afabilidade de quem serve o público, a alegria, a palavra espontaneamente brejeira e o sorriso gaiato do povo, a dinâmica da iniciativa autárquica e privada.  De novo me deliciei com o apuro da gastronomia, o requinte das unidades da restauração e da hotelaria e o bom gosto e adequado dimensionamento dos novos centros comerciais e hipermercados da cidade. 

Tudo ali parecia querer (teimosamente) contrariar, com brilhantes policromias natalícias, os tons cinza da crise que se arrasta no país, que vai deixando fundas rugas de preocupação às maiorias, cada vez mais despojadas, da outrora (justamente) classificada classe média, uma qualificação que hoje parece excessiva, pela míngua das suas poupanças.

Vale a pena ir (ou voltar) ao Porto; pela sua espectacular e bem conservada monumentalidade, pela sua exuberante actividade cultural, pela beleza da sua marginal ribeirinha, pelo Douro que por ela serpeia e nos deslumbra, pelo convívio com a sua população, pela profusão dos seus eventos culturais, e por tudo o mais que atrás referi.
Eugénio de Sá

vinho novo

Eugénio de Sá

Dezembro é quase chegado
e com ele, o vinho novo
traz novos prazeres ao povo,
os do corpo, que os da alma
ficaram pelas encostas
onde os estios e a calma
as cepas que nas vindimas
os cestos glorificaram.

Prodígios de gestação  
e foi nesses arrebóis
que a terra fez doação
do seu ventre, o mais que tem,
com o carinho de uma mãe;
vinho do seu coração!
De Braga a Ponte do Lima
de Fózcoa a Valdevez
correm os tintos e os brancos
uns e outros dos mais francos
que este Portugal já fez.

Crescem na mesa os presuntos,
os enchidos defumados,
o bom queijo amanteigado...
E alapados os grelhados

na alvura das travessas,
não há quem lhes peça meças
regados com vinho e fado.

Casqueiros a fumegar,
As carnes de vinho e alho...
E aquecido ao borralho,

já tonto de paladares,
o povo corre às tasquinhas
p'ro vinho novo provar!

IN MEMORIAM

(Em homenagem a Luis Vaz de Camões)

Eugénio de Sá


Estive onde está Camões e lá repousa
O Poeta Maior que à pátria deu
O sonho a um país que já não ousa
Pensar na gesta que o génio escreveu.

E na pedra fria e tumular deixei
Promessa de render todo o meu preito
À lusa gente que eu sempre amei;
Os mártires, os heróis, de cruz ao peito.

Ganhava luz a nascente manhã
Na nave príncipal daquele Mosteiro
De secular reverência anfitriã;

Mil vitrais reflectiam, qual luzeiro
No mármore ancestral da laje chão
Um doirado caudal alvissareiro.



( décimas com glosa )

Terra minha

Eugénio de Sá)

Lisboa me viu nascer
e no seu seio dormir
se um dia dela partir
lá voltarei pra morrer

Glosa:
  
D' Ajuda sou filho inteiro
Desse bairro onde se vê
Mais lindo em cada maré
Correr o Tejo ligeiro
Reconheço lisonjeiro
Desse amor tudo colher
Porque é fonte do meu crer
Mesmo de longe eu almejo
Voltar de novo ao meu Tejo
Lisboa me viu nascer

E de Lisboa meu Deus
É dela a minha saudade
Dessa urbe sem idade
E os meus ais são todos seus
São dela os meus apogeus
Se um dia dela partir
Terá de ser como a aurir
Pois sei que vou ter saudade
De sentir minha cidade
E no seu seio dormir

Visito regularmente
os bairros mais populares
respirando aqueles ares
Vendo de lá o poente
E ao Castelo alegremente
Sempre lá vou pra remir
Remorsos de lá não ir
Rever a minha Lisboa
Só de pensar me atordoa
Se um dia dela partir

Hoje está tudo mais novo
Mas Lisboa é mesmo assim
É sempre mulher pra mim
Muda a vida, muda o povo 
E dela a visão renovo
E lá a faço entender
Que mesmo sem eu o querer
A vida pode mudar
Mas se eu um dia a deixar
Lá voltarei pra morrer

A lusa prostração

Eugénio de Sá


Esta moínha que vai empapando
A terra quente mesmo à minha frente
E aos poucos, de constante, se instalando
Como uma hipnose amolecendo a gente;

Esse hídrico despojo lá do céu
E assim eu dou comigo sem ser eu,
Carpindo mágoas tristes e sombrias;

Este sentir tão nosso e tão sofrido
Que inopinadamente nos assalta
Vive latente, esperando algum sentido;

Só quer mesmo o pretexto que lhe falta
Pra nos expor ao tom que é mais dorido
Na voz fadista de um qualquer peralta.

Lisboa conta de si

Eugénio de Sá



Muito antes de Cristo andar p’lo mundo
Mil e duzentos anos, talvez mais,
Já meu estuário e muitos dos meus cais
Serviam quem sulcava o mar profundo;

Fenícios e judeus, depois os celtas
E também os iberos, cá montaram
Comércio dos produtos que exportavam
No meu calmo remanso d’águas quietas

Nomes, tive diversos pr’à cidade
que as suas colinas sempre amou
e  “Alis Ubbo” o pagão me batizou
(Porto Seguro), em tempos sem idade

Depois dos gregos, chegaram os romanos
E “Alis Ubbo” passou a “Olissipo”
Mas não estava, por isso, tudo dito;
Pois chegariam unos e germanos

Os vandalos, também por cá andaram
Como suevos, godos e outros mais
Até que os mouros montaram arrais
E deram novo nome ao que fundaram;

Foi a vez de "Al-Ushbuna" me chamar
A mim, esta Lisboa que hoje vemos
E se com mouros já não convivemos
Foi porque Afonso, o rei, me quis tomar;

C'o a ajuda dos templários que passavam
Numa grande cruzada à Terra Santa
Afonso Henriques com eles alevanta
Um ror de lanças que os mouros derrubaram

De mim, e do meu Tejo vi partir
As naus que ao mundo deram novos mundos;
E da passagem desses mares profundos
Guardo da gesta glórias, a sorrir

Um dia, estremeceram-me as entranhas
E vi, horrizada, a mortandade
Deixaram-me em ruínas a cidade
As forças libertadas, por tamanhas

Volvido tempo, fiz-me em prantos mil
P’lo abandono da real família
Que levou honras, livros e mobília
De mim se indo, com rumo ao Brasil

Mas Lisboa fiquei, e capital
Vendo, orgulhosa, as frotas pesqueiras
Sulcarem oceanos, marinheiras
Levando nas bandeiras; Portugal

Hoje, embalo-me nesta calmaria
De um Tejo ao sol da nova liberdade,
Resta-me o fado, e nele sua saudade
Resta-me um povo triste, e sem estesia

O fado na madrugada
Eugénio de Sá

Joguei meu fado na espuma
da maré de lua cheia
mas o mar envolto em bruma
trouxe-o de volta pr'areia...
 
Fui beijar a madrugada
levei o fado comigo
e o sol vendo-a enfeitada
confessou-se seu amigo

Quando palpita a emoção
ante a beleza do fado,
faz-se a vida uma canção
e o viver abençoado!

De emoção vive a saudade
e no fado a dor sentida
é mais forte e mais sofrida
se é cantada com verdade

Quando uma guitarra chora
por qualquer fado vadio,
o tempo já não tem hora,
acalma-se o mar bravio...

Guitarra chora o meu fado
Que só tu sabes chorar
A mágoas desse pecado
Que por cá ando a penar
 
Acaba-se a desgarrada
Louvando o fado afinal
Que é a forma mais amada
De cantarmos Portugal.


A noite de Lisboa
Eugénio de Sá

Fosforejam na noite os olhos de Lisboa.
Do seu ventre fadista
nascem os primeiros acordes das guitarras.
Nas suas artérias nobres,
que outrora conheceram o passeio alegre
de tantos e tão grandes poetas e escritores,
hoje manda o silêncio
ou o som do passo cadenciado
de alguma filha da lua, em busca de cliente.
Não se ouvem há muito os ecos da tertúlia da Brasileira,
da sonora gargalhada de mestre Almada Negreiros,
dos passos tímidos de Fernando Pessoa,
da algazarra de Cardoso Pires e dos seus amigos marialvas,
a saltitar de bar em bar.
De alguns dos teus mais profundos e típicos recantos;
Bairro Alto, Alfama... ainda emergem, tímidos,
alguns acordes de fado amador,
para useiro deleite da envelhecida frequência de sempre,
os que recordam nas "iscas com elas", melancólicos,
os encantos ribeirinhos da rua do Arsenal
e da travessa do Cotovelo.
Alcântara, Cais do Sodré... ali ainda cheira a Tejo,
a cacilheiros, a maresia, a saudade.
Ali, as memórias ainda vogam sobre as águas
do teu amado rio, que já conheceu tempos melhores;
de varinas, de peixe, da Ribeira...
de gente mais feliz, gente que gostava de acabar a noite a saborear-lhe o cacau!
Ah; Lisboa alvissareira, bem disposta,
cruzada pelos pregões das sardinhas, das favas,
das castanhas, dos jornais, que foi que te fizeram?
- Quem te silenciou o encanto da vida?
- Quem te prometeu um Parque Mayer novinho,
onde a "revista à portuguesa" pudesse voltar a animar
a triste vida de um povo sacrificado,
que bem poucos folguedos conhece?
Mas de que povo falamos,
se ele hoje te esvazia as ruas
e se vai, à noitinha, às tuas cidades-satélite,
 onde se fecha a sete chaves,
apavorado pela insegurança que o rodeia?
- Quem te baixou, Lisboa, à condição única de comerciante,
que até o fado só vendes a quem o pode pagar... muito caro?
- Quem te mandou cumprir o único papel que decoraste;
o turístico, atenta e veneradora,
a cobrar meia dúzia de euros pela visita ao castelo?
Não que de condenável nada tenha essa atitude...
Mas só essa?
- Bem, para ser completamente franco, 
és "obrigada" a ter outra; a que mais requer toda a tua paciência quando tens de aturar os desmandos e as bebedeiras dos jovens desocupados que te profanam as entranhas e que, infelizmente, nada auguram de bom para o teu futuro,nem para o deles.






Orgulho português
Eugénio de Sá

Estes versos que buscam Portugal
Não procuram sequer por uma rima
Nem volteios de saias de varina
Mas de algo que lhes seja venial;

Como nos lábios o sabor do sal,
No olhar, as brumas das manhãs
E os gritos das gaivotas nos afãs
De alimento no mar essêncial

Desse mar que nos ganhou respeito
Que sabe que é nossa, por direito
A gesta que Camões soube cantar

E mesmo hoje, na nossa pequenez
É grande a nossa alma e a altivez
De um povo que a todos sabe amar


 Eugénio de Sá

Veja o vídeo aqui







 




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