quinta-feira, 25 de abril de 2013

Portugal , 25 de Abril de 2013 - A recente cronologia da desgraça - Eugénio de Sá


25 de Abril de 1974 – 25 de Abril de 2013
(  Faz hoje 39 anos que aconteceu a Revolução dos Cravos )
* cinco anos, escrevi: 
Nobre Povo

(Eugénio de Sá)

E foi Abril nas faces confiantes
De um punhado de jovens capitães
Foi também um sorriso em tantas mães
Que estremeciam tristes e errantes

Foi a glória nas ruas e nas gentes
Ao ver tombar o ferrete odioso
Sem que uma gota de sangue valoroso
Fosse em vão derramada a sangue-quente

Depois foi liberdade desfraldada
Com alegria, com cravos, com palmas
Até esgotar-se o dia noutra madrugada

Descansou o país, a paz fez-se nas almas
Que jamais esta pátria libertada
Perca, na indignidade, a justa calma

A Portugal

Escrito no Brasil
em 25 de Abril de 2007



* Poucos meses depois, escrevi:

Pedir a um português que não fale do mar,
que apague as brumas que lhe bordam os sonhos,
que esqueça as fomes de longe, as sedes de azul,
e que ignore a salgada e hídrica força da sua matriz,
é retirar-lhe a poesia das veias,
exilando-o num cais onde só há chegadas.


Quilhas no lodo
(Eugénio de Sá)

Quilhas sedentas d’água e tombadas
Naufragadas nos lodos de uma ria
São bolores de uma mágoa assaz sombria
Marinhagens de sonhos, desgraçadas

Porque é preciso navegar-se a vida
Acordar nas bravuras de uma proa erguida
E anoitecer num fado que nos dê guarida.

Viver a nostalgia desses horizontes
Onde a glória do sol emerge lentamente
Saber saborear as cores do seu poente.

É feito disto o sonho português;
De areias d’oiro e um mar de navegantes
E não de lodos vis, agonizantes,
Em negação a tudo o que se fez.

A Portugal
Agosto de 2007





* Quatro anos volvidos, achei que tinha de perguntar-me:



Portugal,

que te fizeram?



(Eugénio de Sá)



Lembro de em fim de tarde ir repousar

Debaixo de um carvalho ancestral

Falava então comigo, e ao falar

Só me saía um nome: Portugal !



Pode o nosso país nos causar dor

Plo que fizeram dele à revelia

Dos seus diletos filhos, que em amor

Mesmo os distantes, lhe sofrem a agonia



E esses, inconformados e descrentes

Vivem as mágoas de tantos irmãos

Que lá, por desditosos ou doentes

Esperam, em vão, ajuda de outras mãos



E assim morre na praia toda a esperança

Que nos foi impingida há tantos anos

Inda temos bem viva na lembrança

Toda essa verborréia só d’ enganos



Mas talvez nós sejamos os culpados

Ao nos deixar levar por tanta treta

Porque ao invés de castigar, irados,

Quem pôs o socialismo na gaveta,

Mais votos lhes somámos, alienados !



A todos os que já deixaram esta pátria bem-amada

e a sentem no sangue, como eu.



E.S.

Bogotá Colômbia

Março de 2011

* Vejamos agora o que escrevi a este respeito em 2012:


25 de Abril



Comemorar que revolução? - Sim, a pergunta põe-se,

porque não comemos… liberdade, nem com ela pagamos as contas!
  • Trinta e oito anos depois da 'Revolução dos Cravos' - que encantou o mundo - pela primeira vez, os homens que a levaram a cabo nas ruas de Lisboa, fizeram público que não iriam participar nas cerimónias habituais das suas comemorações. A mesma afirmação ouvimo-la na boca de políticos que a história consagrou como mentores da liberdade, à cabeça dos quais está Mário Soares e o seu amigo e correligionário, o poeta Manuel Alegre.
    “Digam a quem governa o que lhes vai na alma”, disse-o Miguel Portas, um homem cuja boca se calou para sempre, precocemente, em Antuérpia, longe do seu Portugal, que ele sempre amou e serviu com o grande coração que tinha.
  • Pois bem, se nós o disséssemos, tería de ser para, em primeiro lugar,  pedir contas aos tantos que nos levaram à situação em que hoje, lastimavelmente, o nosso pais se encontra; à beira da banca rota, de mão estendida à espera que lhe vão chegando os milhões pedidos emprestados. Gente incapaz, alguns mesmo desonestos, que se instalaram no poder mais para servir os amigos e a si próprios, que para servirem realmente a cousa pública, de acordo com o juramento que fizeram quando formalmente tomaram posse dos seus cargos à frente da nação.

    Em democracia, só há uma forma do povo dizer que este não é o caminho; é através do voto. É com este papelito que o povo pode - e deve - castigar aqueles que se propuseram criar-lhe melhores condições de vida e que, ao invés, o levaram à falência. Mas sem soluções alternativas credíveis não cabia aos portugueses poder alterar este estado de coisas e assim se foram mantendo interminavelmente no poder aqueles que hoje são responsáveis pela situação a que chegámos.

    Solidários, os três partidos dominantes, dois dos quais responsáveis alternados pelos vários governos depois do 25 de Abril de 1974, juntaram-se há um ano atrás naquilo a que chamaram "um amplo consenso nacional, que a pátria exigia" para que ganhasse credibilidade o indispensável cumprimento das regras que o Fundo Monetário Internacional, o Banco Central Europeu e a Comissão Europeia impunham para que nos fosse garantido o empréstimo de cerca de 74 mil milhões de euros, que se diziam suficientes para equilibrar as contas públicas e pagar o empréstimo do dinheiro, com juros substancialmente inferiores aos do mercado, então anormalmente altos por efeito da nossa baixa classificação anunciada pelas empresas norte americanas de “rating”.
    Entretanto, os elementos que constituem a Troika, iniciavam as suas regulares visitas a Lisboa para analisar a situação e posteriormente controlarem e fiscalizarem “in loco” se a “generosidade” das instituições que representam está e continuará  a ser devida-mente compensada e  acautelada.
    Precisamos de ganhar competitividade, esse é segredo para sair da crise, diz a Troika, e repetem em coro os nossos governantes. E para isso há que baixar salários, afirmam. Mas é um facto que já estamos abaixo da média europeia em mais de 50% . Já em 2011, o custo médio por hora de trabalho em Portugal atingiu os 12,10 euros, um valor que, comparado com a média de 27,60 euros na restante zona do euro, prova isso mesmo (dados revelados pelo Eurostat).
    Acresce, que as tais regras obrigam a grandes reduções nas 'despesas do estado', mormente a uma estagnação dos salários, e a despedimentos ditos amigáveis, mesmo que colectivos. A aumentos nos transportes, nos impostos, directos e indirectos, nos custos ao consumidor da electricidade, da água, do gás, etc, etc, o que faz que rapidamente os portugueses estejam agora a perder (em média) cerca de 273 euros por ano, relativamente aos anos imediatamente anteriores ao tal “generoso” empréstimo a três anos.
    E o resultado de tudo isto é um dramático aumento do desemprego e uma assinalável redução nos movimentos da nossa  economia, uma vez que o consumo interno baixou drasticamente, como seria de esperar. Por outro lado, o estado passou a cobrar menos impostos e a ter de desembolsar mais dinheiro através da Segurança Social, para responder ao pagamento de mais subsídios de desemprego e outras contribuições que a crescente crise veio a obrigar.
    E, como o dinheiro não nasce do chão, têm vindo a ser estudadas medidas para minorar mais custos ao estado, que estão a sacrificar os portugueses e a levá-los a impensáveis níveis de empobrecimento, além de retirar-lhes muitos dos  direitos adquiridos, mormente aos pensionistas e reformados, os do estado e os do regime geral - até aqui sempre diferenciados - e agora todos metidos  no mesmo saco por obscuras, porque mal explicadas, conveniências.
    É sabido que os trabalhadores do estado e os pensionistas vão ver já este ano e até 2015 ( pelo menos ) desaparecerem os subsídios dos seus 13º e 14º mês, medidas estas que ainda está por saber-se se são ou não inconstitucionais ( e foram mesmo consideradas inconstitucionais, como se veio a saber depois ).
    É também sabido que as reduções orçamentais em todos os Ministérios vão, a curto prazo, obrigar a mais despedimentos - cujas regras também estão a mudar para muito pior para os trabalhadores. Estas medidas também fazem parte do ganho de competitividade, dizem "eles".
  • Outros cortes na despesa estatal  dizem respeito a reduções de custos nos transportes, na saúde, na educação e em muitos outros sectores da vida nacional, e, necessariamente, irão traduzir-se, ainda e sempre, em mais despedimentos e em pior serviço à população.
    Nesta altura, o desemprego formal já ultrapassou os 16%, a percentagem mais alta da UE, só inferior à que se regista na vizinha Espanha, e na Grécia.
    E os jovens à procura do primeiro emprego são já 37% do total de disponíveis para o efeito, o que fez o primeiro ministro sugerir a via da emigração como solução, imagine-se!
    A tudo isto há que juntar a quase paralisação da Banca - entretanto a tentar capitalizar-se - no que diz respeito ao indispensável financiamento às empresas, que viram limitar-se, em muito, a sua actividade, entetanto já muito sacrificada por esta crise. Acresce a este rol a real e praticamente completa paragem na construção civil, a maior empregadora. Na realidade, se não há quem compre o muito que existe para venda, para quê construír mais? - E o mesmo se passa com a venda de viaturas, reduzida a 50%.
    E aí está configurada a conjuntura da desgraça para a qual  o cidadão comum não contribuiu e a que assiste espantado e preocupado, porque está em causa a sua sobrevivência e a das suas famílias, muitas delas já endividadas e outras já completamente dependentes dos apoios públicos e/ou particulares que lhes possam fazer chegar um prato de sopa. Por tudo isto, e pelo que se adivinha que mais aí virá, perguntamo-nos: e o que vai o país comemorar em 25 de Abril?
    A pergunta é pertinente, pois sendo esta a data em que há 38 anos tudo foi prometido aos portugueses, estes vêm agora confirmada a sua vocação de continuarem a ser pobres, dos mais pobres de uma Europa, cujos padrões de vida lhes estão cada vez mais longe.

    Eugénio de Sá
  • ( bacharel em Economia

    * Por tudo isto, há bem poucos dias escrevi:

    Como morde este cão!

    ( Eugénio de Sá)

    Eu vim de longe viver em ti desgraças
    Terra que amei e venerei demais
    Ora, em meu peito, passam vendavais
    Por em ti ver fuçarem gentes baças

    Aqui ressuscitou a violência
    Alternados poderes a proclamaram
    E todos os direitos já ceifaram
    Pla força da mais vil omnipotência

    Fechamo-nos nos medos que tememos
    Obrigam-nos a tudo o que não queremos
    Plo pavor do abismo, assombração.

    Como morde, sem dentes, este cão
    De raça amaldiçoada, que vilão
    Habita no canil onde o pusemos?

    A Portugal
    14 de Abril de 2013
  • * E finalmente hoje, dia 25 Abril de 2013, limito-me a dizer:



    Os portugueses vestiram-se definitivamente de inverno.
    Por mais que o sol brilhe e os aqueça, nada há que lhes tire já
    o frio do coração!

    Eugénio de Sá




    Viva Portugal!

    Levante o som e ouça, na integra: *Grândola Vila Morena*, uma interpretação fabulosa de



    Zeca Afonso, o poeta e o cantor da revolução
     
     

    3 comentários:

    A. João Soares disse...

    Caro Eugénio de Sá,

    Parabéns e obrigado por esta bela cronologia da desgraça.
    Quando se esperava o raiar da aurora, houve uma bruma e sinais da aproximação do eclipse total. A esperança virou incerteza, temor, receio. A primavera depressa se tornou inverno. E nesta agonia, cada vez mais dolorosa, quanto tempo nos faltará para o suspiro final? E que será feito dos nossos descendentes? Quantos nos amaldiçoarão pela atroz herança que recebem?

    Abraço
    João

    Zélia Chamusca disse...

    O que acabei de ler é uma crónica sobre a triste realidade da situação em que se encontra o nosso Portugal, completada com os belíssimos poemas de beleza negra da verdade e denúncia.

    Parabéns Escritor Eugénio Sá e que nunca lhe falte as palavras nem a arte poética para escrever estes poemas tristes e reais mas, mesmo assim, emoldurados em arte.

    ZCH

    Zélia Chamusca disse...

    O que acabei de ler é uma crónica sobre a triste realidade da situação em que se encontra o nosso Portugal, completada com os belíssimos poemas de beleza negra da verdade e denúncia.

    Parabéns Escritor Eugénio Sá e que nunca lhe falte as palavras nem a arte poética para escrever estes poemas tristes e reais mas, mesmo assim, emoldurados em arte.

    ZCH